Mundo Surreal

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ensaio Sobre o Nada


Pessoalmente, não acho que se deva forçar algum tipo de inspiração. Que me perdoe João Cabral, mas poesia, para mim, deve ser cem por cento desse sentimento furtivo e inesperado. Esse é o único problema quando se tem uma inspiração súbita no meio do nada. Ela não volta. Não te espera correr para buscar uma caneta ou ligar o computador.

Gu segurava o guarda-chuva levemente inclinado para proteger-se melhor das gotas que chegavam em um ângulo agudo, por causa do vento. Olhava para as enormes poças que se formavam conforme aumentava a chuva e levantava exageradamente os pés ao andar para evitar os respingos. Mas sua mente estava em outro lugar.

Ana fazia um café bem forte em seu apartamento afastado do centro da cidade, e o céu lá fora desabava em água. Enquanto esperava o café ser coado vagarosamente na cafeteira, foleava distraidamente um livro. As páginas passavam aleatoriamente e Ana em nada prestava atenção, pois seu pensamento estava longe dali.

Julia pediu um chá com morango e, enquanto esperava, espiava as pessoas entrando e saindo do cinema em frente à praça de alimentação. Era sábado, e ela pensou em todas aquelas pessoas felizes que ali se arriscaram a sair de suas casas naquele frio e naquela chuva. Julho realmente entrara com os dois pés na porta naquele ano. Sensação de zero grau no meio da tarde. Qualquer outra pessoa a chamasse e ela não atenderia, nem mesmo Davi. Inventaria um desculpa qualquer. Mas não podia dizer não a ele. Poderia ser importante, poderia ser aquilo pelo que ela esperava há tanto tempo. Começou a sentir ansiedade e concluiu que aquele era um sentimento estranho demais para aquela hora. Talvez nem mesmo fosse um sentimento de verdade, apenas um reflexo de seu desejo. Na verdade, ela queria mesmo era sentir nada, queria que tudo o que estivesse pensando se dissipasse, mas quanto mais pensava naquilo, mais era tomada por diversos sentimentos. Finalmente, sentiu raiva por não poder afastar aquilo. Estranho, o nada. O nada não era somente a ausência de tudo, absolutamente. Era a consciência da presença, mas a capacidade de ficar alheio às outras coisas, mesmo estando elas tão perto. E estava pensando essas coisas quando chegou seu chá. E com ele veio Gu. Estava meio molhado, o guarda-chuva fechado pingava no piso. Eles se abraçaram e ela sentiu seu perfume, e uma vertigem a possuiu. Pensou que ia cair, mas foi apenas por um instante e eles se sentaram. Ela estava feliz.

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