Mundo Surreal

sábado, 27 de setembro de 2014

Amputações



Não me lembro exatamente onde me perdi. Mas parece que faz muito, muito tempo. Parece que foi um dia meio perdido.
Tudo isso não faz muito sentido ainda. Não faz sentido ainda. Não sei porque não te encontro hoje aqui. Não sei porque não. Sei que, por não poder te tocar, não posso sentir muita coisa, só falta. Uma falta que não faz muito sentido também.
Você passou por mim e meu outro eu, antes um campo estéril, tingiu-se de vermelho. Seu sangue. Seu fluido interior contaminou rapidamente tudo o que me isolava. Agora quando, como hoje, não tenho seu calor corado, sinto que falta faz. Tudo o que restou foram pistas. Bolinho de chuva, um par de calças, escova de dentes, um cobertor que não estava lá quando adormeci. Seus recados. Seus pedaços de papel. Pedaços de você tão inteiros em cada parte. Amputações de mim que ficaram contigo e que carrega por todos os lugares.

Você não sabe, mas ainda guarda meus medos. Se vai ficar com eles, guarde-os bem. Acessíveis, por favor. De vez em quando gosto de olhar para a cara deles e lembrar que eles existem. Perto de você eles aumentam e encolhem de maneira surpreendente. Você também leva minhas mais íntimas ambições. Agora que estão tão perto assim de você, nem parece que não faz muito tempo, eu relutava em te incluir nelas. 
Outra coisa, e talvez a mais importante, você cuida da minha inspiração, me guia às letras, me alivia como explodisse em uma chuva de liberdade. Porta meus dedos, minha própria vontade contigo. Agora, dentro de mim, guarda essa carga. Tira assim essas luvas, pega minha mão, guia-a aos instrumentais. Estamos juntos nessa operação a dois, essa longa operação em que quanto mais se deixa, mais se completa.

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