Mundo Surreal

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Medo de Sofia

Já são quatro dias. Dois dos quais não há nada. Sofia escrevia lentamente sobre o papel amarelado - reciclado - que ganhara de sua avó, Dona Maricela, que agora alimentava algumas minhocas com seu corpo frio em algum lugar desse mundo.
Dois dos quais não há nada. Os parentes chegavam e partiam, a maioria vestindo preto. Sua própria mãe usava preto e a fazia vestir de modo semelhante. Prima Zaira não parecia muito abalada, já que se escondia pelos cantos junto com o primo Luiz Mazzin. Mazzin porque gostava de ser chamado assim, embora tivesse adotado o parentesco de primo. E vivia metido pelos cantos com a Zaira. Mas Sofia, com sua pouca idade, pouco ou nada entendia desses acontecidos.
Na verdade, mesmo que sua mãe já explicasse mil vezes, ela não acreditava que não veria a avó novamente. Mas não veria.
Quando se tem seis anos, dois dias de agonia, seguido de dois dias de pesar não são muito atrativos. Na verdade, até que são bem tediosos. E Sofia sentia falta de brincar com a vizinha Marcinha, que não dera as caras, a não ser por poucos minutos e ainda junto de sua mãe, curiosamente vestindo preto. Mas Marcinha nunca havia vestido preto antes, pelo menos não que Sofia se lembrasse. Ao contrário, se lembrava sempre da amiguinha com aquele conjuntinho da Turma da Mônica, já bastante surrado. "Porque não lhe compravam roupas novas?" pensava, mas não entendia que não tinham dinheiro. Ela que sempre tivera tudo o que queria não podia entender por que as outras pessoas não teriam.
Quando passava os finais de semana com seu pai eles sempre tomavam sorvete na sorveteria da esquina e seu pai sempre a deixava escolher o que quisesse. Ela nunca queria muito.
Naquela hora o que ela queria mesmo era sair para brincar com a Marcinha, mostrar suas bonecas, fazer comidinha, arrumar a casinha, cuidar do bebê que a amiguinha tinha ganhado no natal anterior, mas ao pensar todas essas coisas ela se sentia um pouco culpada. Todos pareciam tão tristes... Ou melhor, se esforçavam para parecer. Vovó era muito rica e um dia ela escutou a velha tia Rufina reclamando que a vovó não morria logo. Não gostou daquilo. Ela gostava muito da vovó, que sempre lhe contava estórias, e as duas pareciam se completar, na juventude e na experiência.
- Ivone, Ivone! É a Sofia! Ela herdou tudo!
O que aquilo significava? Sua mãe lhe explicou que agora todo o dinheiro da vovó era dela.
Que medo!
Será que agora a tia Rufina reclamaria que ela, mesmo com seis anos, não morresse logo?

2 comentários:

  1. é, mas a Sofia com certeza será uma pessoa melhor que eles! ótimo texto! :D

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  2. Ah, gostei tanto! É triste pensar que isso é uma realidade em muitos cantos por aí. Isso nos traz uma reflexão sobre integridade, sabia? Precisamos tanto dela... Parabéns anjo, adorei! (:

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