Mundo Surreal

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um Céu Mais Azul



Achegou-se perto de mim como quem quisesse nada. Olhou-me com aqueles olhos desconfiados de criança.

- Manu, filha, venha para cá! Deixa o moço dormir!

Exibiu um sorriso infantil, deliciosamente infantil, e voltou para junto da mãe, se equilibrando no corredor entre as poltronas. Os pezinhos falseavam a cada movimento do ônibus ao desviar de um buraco ou fazer uma curva. Mais tarde, lá estava ela de novo olhando-me com aqueles grandes olhos azuis. Muito azuis!

A garota era linda! Cativava a todos os desconhecidos que viajavam conosco. Sem muito esforço, conseguiu um belo montante de balas e pirulitos dos outros passageiros, apenas esboçasse um sorriso.

- Oi. - acenei com a mão e, como ela apenas recostou na poltrona da mãe, girando o pé esquerdo na ponta do sapatinho preto, resolvi arriscar uma nova tentativa de diálogo.

- Quantos anos você tem?

Mostrou-me dois dedos.

- Não, filha, é assim, ó - corrigiu a mãe, levantando mais um dedinho gordo para se juntar aos outros dois, igualmente rechonchudos.

- Nossa, tudo isso? Já é uma mocinha! E está indo para onde?

- Vo vicitar meu papai láá na neve.

- Na neve?

- É, você não sabia? Lá onde meu papai mora tem neve!

Presumi que estavam indo para o Rio Grande do Sul, já que era inverno. Depois, conversando com a mãe de Manu, descobri que era realmente isso, mas teriam que trocar de ônibus. Nos separaríamos em Maringá. Tornamo-nos amigos bem rápido, eu e a Manu. Queria uma lembrança daqueles enormes olhos azuis. Uma foto.

Enfim, chegou a hora da despedida e a viagem acabou para mim. Estava em casa. A garotinha simplesmente abriu um enorme sorriso, depois beijou a palma da mão e  acenou, fazendo menção de lançar os beijos. Foi minha última imagem de Manuella, acenando para mim pela janela do ônibus que se distanciava.

No dia seguinte fiquei sabendo. O ônibus que ia para Cascavel bateu de frente com um caminhão. Doze pessoas morreram, entre elas uma garota de três anos e sua mãe. Na mesma hora comecei a chorar, lembrando daqueles olhos sorridentes que tanto me comoveram.

Peguei a foto e fiquei olhando. Agora aqueles olhos estariam no céu. Mortos, é verdade, mas contribuindo para aquele imenso azul. E de algum lugar eles sorririam e mandariam beijos.

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