Mundo Surreal

domingo, 8 de abril de 2012

Segundo Ato



Dentro de Ana havia o teatro. Mas não como uma miragem ou uma vaidade, no seu sentido primitivo, mas como um ipê. Amarelo, frondoso, com vários galhos; dança, piano, pintura, poesia, desenho. Com quinze anos, Ana já havia se decidido: faria teatro, para eterno desespero de seus pais médicos e supremo deleite da tia magra, sua primeira professora de desenho e pintura. E o que era para ser bonitinho em uma garota de classe alta de Curitiba acabou se tornando o caos da casa e o assunto na família. Obrigaram-na a fazer medicina. Ela se recusou a estudar. Alguma estratégia só surtiu efeito quando lhe cortaram as aulas de dança. Não fez cursinho "para não gastar o dinheiro dos pais". Estudou em casa como se não houvesse amanhã e passou no vestibular de medicina ao término daquele ano.

Chegou a cursar um ano para cumprir-se o "faça, vai que acaba gostando". Mal se viu livre do primeiro ano de curso e encalçou na vida de eremita, vivendo em um minúsculo apartamento em um canto de Maringá. Não poderia abrir mão de tudo o que seus pais poderiam lhe oferecer e por isso engoliu o aluguel pago por eles. Afinal, apenas mais uma coisa para engolir. A vida inteira controlando uma garota repleta de anseios e vontade de vida, sede de cores, curiosidades para oferecer à sua primitiva natureza e, ao invés disso, ser a exemplar filha do casal de cirurgiões mais conceituados da cidade. O lado bom foi a oportunidade de poder encontrar na arte esse ponto de fuga para toda a sua criatividade por tanto tempo em uma monótona hidroponia.
E ela queria terra. 
Terra personificada na tia magra, a ovelha negra da geração anterior, que resolveu adotar aquele pequeno carrapato que era Ana quando criança. Logo o carrapato tornou-se um piolho. E o piolho revelou-se pássaro amarelo. Amarelo como um ipê.

E no segundo quarto de ano em que começava a realizar seu sonho, eis que abrem-se as cortinas e surge Gustavo diante dela. É o início de um segundo ato de sua vida. E seria lindo.
Se seus objetivos não fossem outros.


Um comentário:

  1. Hum, sei mais ou menos o que é isso... rs Tirando a parte da imposição dos pais.
    Lindo texto, anjo! ♥

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