Mundo Surreal

domingo, 25 de março de 2012

Quadrilha Moderna



Davi acordou antes do dia, bem mais preguiçoso que este. Livrou-se com tristeza do abraço do seu edredom para cair no sopro frio da manhã, personificado no chão de cerâmica que seus pés tocaram ao errar os chinelos. Quase não se reconheceu ao espelho: era um rosto desenhado de travesseiro, um cabelo amassado e um filete de baba, mas o chuveiro nem de longe parecia convidativo.

A água fluía sobre sua pele, o vapor enchia o banheiro. Virou o rosto para cima, a água em sua testa. Olhava para o verso de suas pálpebras. Penso que olhava para dentro de si. Algo o incomodava. Talvez uma lembrança.
***
Já era seu segundo ano. A porta correu e entrou Julia.
Nada importante.
A porta tornou correr e começou a aula. Meu objetivo é o vestibular.
Uma semana depois, sábado, ouviu música sob as árvores. Voz e violão.
Correu ver, ouvir. Gostaria de não ter feito isso.
A garota cantava com os olhos, com cada respiração, com cada gota de alma.
Os acordes dançavam, convidavam uns aos outros para uma roda de melodia escalando suas escalas.
Cada nota era um sorriso, uma promessa que dizia "vem". E ele foi. 
E com ele, seu objetivo. Mas agora ambos já estavam em segundo plano.
O que era o resto do mundo? O que era medicina comparado àquilo?

***
Aquilo era Julia.
E aquele ano se foi. Ela passou em Engenharia Química, o mesmo curso que seu querido amigo Gustavo, de quem tanto ele ouvira falar, e quem tanto o atormentara em sonhos. Ele ficou para mais um ano sem sua preciosa medicina. E o ciúme lhe mordia as orelhas, deixando-as vermelhas; raiva e vergonha. Já uma semana que discutiram, quando ela fora ver seu amigo e, ela fizera questão de ressaltar, "esquecera" de atender o celular.

(Uma semana atrás)
O celular toca. Gu percebe.
- Não vai atender?
- É o Davi. Continue.
- Acabei. Diga-me o que acha do que te disse.
- Acho que não vai durar. Nunca dura, afinal. E você tem que se preocupar com a empresa. Deixa essa menina.

Lembro-me daquela jaqueta chegando no cursinho um tanto abatida. Perguntei o que era, ela me olhou meio deixa pra lá. Dentro da jaqueta estava Davi. Dentro de Davi havia Julia. Dentro de Julia havia Gu. Dentro de Gu havia Ana. Mas quem havia dentro de Ana? Isso eu descobri pouco tempo depois.

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