Mundo Surreal

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Crônicas Cruzadas


Você não sabe como foi. Você não sabe como é.

Éramos cinco mil, eles, sete. A cidade estava sitiada a dez dias. Dez dias sem entrar nem sair viva alma. Só os os que não andam nesse mundo atravessavam as muralhas. Eles nos jogavam nossos mortos. Primeiro, só as cabeças, depois, os corpos, já em putrefação. Envenenaram nossa água. As pessoas estavam ficando doentes, com fome. Percebemos a estratégia deles; queriam nos deixar exatamente como estávamos, desesperados, sem escolha. Alvos fáceis.

Ah, Deus sabe que o que fiz, não fiz sem pensar mil vezes! Sarracenos desgraçados! Infiéis, que o demônio leve suas almas! A cidade é sagrada, merda! Quem pode me culpar? Eles eram sete mil, bem armados e alimentados. Nós, cinco mil, dentre os quais trezentos templários, quinhentos francos, setenta e cinco padres, duzentos mercenários, e a décima quinta guarda da Germânia, da qual eu detinha o comando. O restante eram civis com foices e machados de lenha. E o que fizemos? Atacamos.

***


- Parede de escudos!
Fechamos os portões da muralha com nossos homens.
- O primeiro que se atrever a morrer, eu mesmo trato de queimar o corpo! - gritei. Sabia o horror que isso causava. A privação da ressurreição era o pior castigo. Estávamos sendo cercados. Expandimos a parede de escudos. Eu só estocava. Estava fraco. O homem à minha direita morreu e foi substituído pelo de trás. Meu escudo era golpeado ininterruptamente pelas espadas curvadas dos infiéis. Estoquei, senti o sangue escorrer pelo braço. Menos um.
- Agora!
Nossa parede se abriu e a cavalaria dos templários passou. Conseguiu abrir um belo rombo entre os sarracenos. Agora a batalha era aberta. Eles estavam desorientados.
- Flanquear!
Repartimos as tropas. Não me lembro de muita coisa; o calor da batalha ludibriava meus sentidos. Nada mais existia, nem fome, nem sede, nem cansaço, nem dor, só o júbilo da batalha. Larguei o escudo e apanhei outra espada no chão. Uma espada moura, bem mais leve. Rodava os braços a esmo. Fiz uma clareira de corpos, um a um caíram pelo meu braço.
- "Não terás medo do terror de noite, nem da seta que voa de dia, nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti" - gritava. E meus homens morriam.

***

Tomaram Edessa. Poucos restaram. Fomos capturados e execuções eram realizadas sumariamente ao meio dia todos os dias. Sobrevivi. Mandaram-me de volta, mas não sem antes me cortarem as mãos. Nunca mais vou segurar uma espada. 
Fizemos de tudo. A única esperança era lutar. Esperava morrer com honra, não de fome. Pedi que me matassem, e não o fizeram. Agora nosso amado rei Frederico está indo tomar a Terra Santa de volta. Que Deus esteja com ele.

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