Mundo Surreal

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Desventuras



Ela me olhou a noite inteira. Eu estava tonto, bêbado pelo álcool do uísque cowboy e das duas tequilas que fizeram questão de abrir a minha noite. Mas isso não é uma desculpa. A verdade é que ela era linda mesmo. Hesitei. Aquilo era comigo? Aquele jogo de sedução, ritual de acasalamento moderno, permitido ao ser humano social, um lançador de sugestões e promessas sem garantias; aquele olhar verde era meu, só meu. Seria covardia recusar um pedido quase tão explícito quanto um sussurro-gemido, uma piscadela molhada ou um "o bar está fechando". O fato é que fui tragado por aqueles olhos de alcoólatra diretos e objetivos. Num ato de suprema coragem arrastei meus amigos à mesa dela. O bar já agonizava àquela hora da madrugada, e a nossa mesa com seis curiosos integrantes boêmios era a maior do lugar. Seis pessoas, dentre elas Sara e eu. Dois amigos coadjuvantes para cada. Um bar esvaído. Uma noite de sexta. Elenco e cenário promissores para o desenrolar de uma trama. A curta história de Sara e eu.

O bar está fechando, anunciou o garçom. Acompanhei os olhos verdes até o prédio amarelo onde moravam, estrategicamente localizado perto da minha casa. É, o acaso tem essas coisas. Descemos do carro meio tropeçando; eu de tonto, ela de vestido e salto. Bambeamos um até o outro. Ou melhor, fui atraído até ela. Trombamos e um leve sorriso refletiu em seu rosto. E foi lindo. E foi o melhor beijo da minha vida. Ela arfava e eu comprimia seus seios contra meu corpo. Mas quando ia subir com ela, recebi um dedo no peito. Hoje não. Por que? Um sorriso e uma piscadela molhada.

Naquela noite sonhei que descansava em uma nuvem verde, mas aos poucos a nuvem foi se desfazendo e, por mais que tentasse, não consegui mantê-la., o que me fez cair na terra e pular da cama. Quando nos vimos, contei a Sara meu sonho, o que a fez calar e se interessar profundamento pelas árvores ao redor. Sei que olhava para si mesma. Vou para os Estados Unidos no mês que vem, disse. Para sempre? Não, só resolver um velho probleminha. Certo, então talvez fosse esse o motivo de uma reflexão repentina, uma ausência predeterminada. Quis saber que probleminha era esse e ela quis que eu parasse de ser intrometido. Era um mistério. Foi um mistério. Mistério que me mantém... manteve apaixonado. E eu gostava de vê-la andar de vestido. Suas pernas sorriam para mim, e eu respondia graciosamente com carícias furtivas, que eram quase sempre repelidas pelas mãos. Ah, como eu odeio as mãos! Elas apenas negam o que o resto do corpo implora. Mãos com dedos longos e finos que me tocaram o peito e me fizeram recuar três, quatro, cinco vezes em frente ao prédio amarelo. Mãos que eu segurei e acariciei outras inúmeras vezes. Mas não foram as mãos que me afastaram de Sara.

Certa noite, uma semana antes da partida de Sara, sonhei que nadava em um lago completamente verde e cristalino, mas que se tornou turvo e barrento, e eu já não podia sair da lama. Era madrugada. Corri até o prédio amarelo e os olhos verdes me receberam. Entrei. Os beijos se intensificaram e culminaram em um sussurro-gemido "então vem". Caímos na cama completamente envoltos em volúpia. Eu nada via além do verde cristalino dos olhos de Sara. Sua camisola passou pelos meus braços sem que eu nem percebesse e deitei sobre ela. E o verde se fez turvo. Algo estava errado. Senti um volume que não era meu, era uma rígida repulsão, uma grande evidência que não deveria estar ali. E o turvo se fez barro. Assustado, olhei nos olhos dela e não consegui identificar a expressão que neles pairava. Levantei cambaleando, tomado por uma vertigem. Roubei a chave, saí do prédio, fui para casa. Tudo rodava, eu estava tonto, oprimido, meu coração palpitava batidas secas, como corpos caindo de nuvens. Meu Deus! Sara era um homem!

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