Mundo Surreal

sábado, 7 de setembro de 2019

Um dia comum

Olhou-se ao espelho e o que viu o deixou estarrecido: quando foi que deixou de ser quem era? O tempo lhe marcara seus padrões místicos na face ao redor dos olhos e estes, tão opacos que não fossem dele juraria que pertenciam a um defunto. Toda a alegria lhe fora roubada, mas por quem? Pela sua profissão, que tanto almejara conseguir? Agora tinha muito mais coisas que jamais tivera, agora dinheiro pela primeira vez não era um problema, agora esposa e filhos ali estavam ao seu lado. Pensou na resposta por alguns instantes, sem conseguir chegar a qualquer conclusão. Fez uma concha com as mãos, sustentou o que podia da água da torneira e a atirou no rosto. Um lapso de vigor lhe percorreu o espírito e uma velha lembrança lhe enganchou na mente. Uma lembrança tão velha e empoeirada que visivelmente não era usada há um bom tempo, e lhe faltavam partes cruciais para um entendimento completo. Viu-se muito mais jovem, em um tempo de preocupações limitadas pelas esquinas fisiológicas de seu próprio corpo, e sua mãe, muito bela - não se lembrava absolutamente da imagem de sua mãe, mas sabia que deveria ser muito bela - abandonar um serviço de casa qualquer para lhe entregar um brinquedo tosco e barato. Essa lembrando lhe deixou a mente ao mesmo tempo que a toalha lhe deixou o rosto e percebeu que estava enxugando não apenas a água, mas também uma lágrima sorrateira e dissonante da face de um homem adulto. Sacudiu a cabeça e não pensou mais nisso, apenas saiu direto para mais um dia de trabalho, consciente de que sim, seu próprio olhar no espelho não havia se enganado; pertencia a um defunto.

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